Suplementação na Pré Concepção, Gestação e Lactação
Brunno Falcão
9 min
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10 de jul. de 2024
Antes de considerar a suplementação, é crucial priorizar a alimentação como base fundamental, pois os suplementos funcionam como complementos secundários. Nenhum suplemento pode ser eficaz se a dieta não estiver equilibrada . Portanto, para suplementar com segurança e eficácia, é essencial que o nutricionista adote um raciocínio clínico que leve em conta sinais, sintomas e resultados de exames bioquímicos. Estratégias específicas são necessárias em cada fase do acompanhamento nutricional para otimizar a saúde ovariana, a qualidade dos gametas e a receptividade endometrial, fundamentais para uma gestação saudável e para a programação metabólica e reprodutiva . Essas abordagens visam não apenas prevenir doenças e infertilidade na vida adulta, mas também garantir um desenvolvimento adequado durante todas as etapas da gravidez . Durante a investigação nutricional, é crucial identificar deficiências nutricionais, alergias e intolerâncias alimentares, além de avaliar os riscos de complicações na gestação, como inflamação e risco de má placentação. Esses elementos são fundamentais para estabelecer um plano de cuidados personalizados que abordem as necessidades específicas de cada paciente. Os fatores que impactam a infertilidade feminina incluem a exposição à poluição e produtos químicos, o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas, e a obesidade. Esses elementos podem levar à depleção de vitaminas do complexo B, zinco, ferro, magnésio, cálcio, sódio e potássio , além de causar desequilíbrios hormonais como o aumento do estrogênio. A exposição a disruptores endócrinos também pode reduzir a receptividade de hormônios androgênicos e aumentar os níveis de prolactina, afetando a produção de espermatozoides e contribuindo para o estresse oxidativo no folículo, o envelhecimento precoce e alterações microbianas no útero . Esses aspectos ressaltam a importância de uma abordagem holística e individualizada no tratamento da infertilidade feminina. Mecanismos de Controle Fisiológico O estado nutricional de desnutrição ou excesso de peso pode gerar significativas alterações nos eixos HPA (eixo hipotálamo-hipófise-adrenal) e HPG (eixo hipotálamo-hipófise-gonadal), afetando diretamente a ovulação saudável. Essas condições são frequentemente acompanhadas por inflamação subclínica , que não apresenta sintomas visíveis, mas pode ser detectada através de exames de marcadores inflamatórios. A inflamação subclínica pode comprometer a regulação hormonal necessária para um ciclo menstrual regular e ovulação adequada, exacerbando assim os desafios relacionados à fertilidade e aumentando o risco de complicações reprodutivas. Saúde Ovariano e Equilíbrio Hormonal As mitocôndrias desempenham um papel crucial na saúde endócrina , sendo responsáveis pela biossíntese de hormônios esteroides e pela produção de energia na forma de ATP. A ATP sintase é fundamental para esse processo. No entanto, a disfunção mitocondrial, que pode resultar na falta de ATP, pode comprometer seriamente a produção hormonal. Além disso, as mitocôndrias desempenham um papel vital na reprodução molecular, especialmente nos ovários, onde são abundantemente encontradas. Para que ocorra a transformação do piruvato em Acetil-CoA no ciclo de Krebs, é essencial a presença de diversas vitaminas e minerais, como vitaminas do complexo B, ácido pantotênico, magnésio, ácido alfa lipóico, coenzima Q10 e antioxidantes . Esses nutrientes são indispensáveis para proteger as mitocôndrias contra danos e garantir uma preparação adequada para a gestação, evitando assim impactos negativos na saúde reprodutiva. Suplementação na Pré Concepção O folato , também conhecido como vitamina B9, desempenha um papel crucial na prevenção de defeitos no tubo neural, diabetes gestacional, hipertensão arterial e pré-eclâmpsia. As doses recomendadas variam de 400 mcg para gestações de baixo risco, 1000 mcg para risco moderado e até 4 mg por dia para gestações de alto risco . É fundamental manter a suplementação durante toda a gravidez; além disso, optar pelo metilfolato, a forma ativa do folato, é essencial para garantir sua eficácia. Adicionalmente, a ingestão adequada de vitaminas do complexo B é crucial para converter o folato em sua forma ativa. A avaliação da vitamina B12 também é essencial durante a gestação. Níveis sanguíneos abaixo de 250 ng/L aumentam significativamente o risco de espinha bífida, enquanto valores inferiores a 300 ng/L estão associados a uma maior incidência de defeitos no tubo neural. A hiperhomocisteinemia, combinada com baixos níveis de vitamina B12, pode aumentar o risco de parto prematuro. A vitamina B12 não necessita do fator intrínseco para ser absorvida; portanto, é recomendada a suplementação de 1000 mcg para garantir níveis adequados durante a gestação . Homocisteína A homocisteína é um componente do líquido folicular (FF), e qualquer alteração em sua concentração pode afetar o desenvolvimento do oócito . Portanto, não se deve permitir que ela permaneça em níveis elevados (acima de 9) , pois isso pode resultar em diminuição dos níveis de estradiol e progesterona na fase lútea, aumento das concentrações de FSH, além de sintomas como anemia, náuseas, vômitos, aborto espontâneo e TEA (Transtorno do Espectro Autista). Ômega-3, Vitaminas e Minerais Outro suplemento importante é o Ômega-3, responsável pela melhora da esteroidogênese, redução da inflamação, crescimento e maturação do oócito, aumentando as chances de fecundidade. Em outras palavras, o ômega-3 contribui positivamente para a fertilidade. Recomenda-se uma dose de 1 a 2 g por dia, contendo 330 mg de EPA e 220 mg de DHA por cápsula . Além disso, a Vitamina D desempenha um papel crucial na fertilização. Valores alterados podem aumentar os níveis de testosterona e afetar a cascata hormonal, resultando em situações de subfertilidade. Para a suplementação, é essencial considerar os exames bioquímicos dos pacientes. Cada 1000 UI de vitamina D suplementada pode elevar os níveis sanguíneos em 6 a 10 ng/mL ao longo de 8 semanas . Nutricionistas podem recomendar suplementos de até 4000 UI por dia, enquanto doses maiores requerem orientação médica. O trio de magnésio, cálcio e vitamina D atua dentro do oócito após a fecundação. Por outro lado, a suplementação de cálcio é igualmente importante, pois auxilia na maturação do oócito, no desenvolvimento do folículo e no processo de fertilização, além de contribuir para a morfogênese. A deficiência de cálcio pode levar à anovulação. Quando a ingestão alimentar é insuficiente, a suplementação se torna necessária; porém, o excesso de cálcio pode ser prejudicial, especialmente por promover calcificação da placenta. A dose usual recomendada é de 200 a 500 mg por dia, podendo ser cálcio quelado ou citrato . O cálcio também desempenha um papel na liberação de neurotransmissores que regulam o eixo HPA. Ferro O ferro é outro nutriente crucial para a gestação, sendo essencial para o crescimento e maturação do folículo, além do desenvolvimento inicial do embrião, especialmente na produção das células sanguíneas. A dose recomendada para gestantes é de até 45 mg por dia , podendo ser administrada na forma de ferro bisglicinato, polimaltosado ou lipossomal . Ao avaliar a ferritina para verificar a reserva de ferro, é fundamental considerar a possibilidade de inflamação, já que os níveis de ferritina também podem aumentar nesse caso. Portanto, não se pode basear apenas nos valores de ferritina; hemoglobina baixa com ferritina normal pode indicar anemia por inflamação . Por isso, a suplementação de ferro possui particularidades importantes que devem ser consideradas na hora da prescrição. Além disso, é recomendável fracionar as doses ao longo do dia para uma melhor absorção e tolerância . Para a suplementação de ferro, basta analisar a tabela abaixo: Ferritina > 70 mcg/L não suplementar Ferritina 31-70 mcg/L 30 a 40mg de Fe elementar Ferritina < 30 mcg/L 60-80mg de Fe elementar Ferritina < 15 mcg/L 100mg de Fe elementar Outros Suplementos O zinco é um suplemento importante a ser considerado, especialmente devido à sua relação com o cobre , cujo desequilíbrio pode interferir na implantação. No entanto, ele desempenha um papel crucial no desenvolvimento do embrião e da placenta. Recomenda-se uma relação de suplementação de zinco/cobre de 15:1 ; no entanto, se os níveis de cobre estiverem elevados nos exames bioquímicos, pode ser necessário suplementar apenas o zinco, utilizando cápsulas gastroresistentes e fracionando as doses ao longo do dia. Por outro lado, o iodo requer uma dose usual de 100 a 250 mcg por dia , seja na forma de iodo quelado ou iodeto de potássio , dependendo dos valores bioquímicos, especialmente os relacionados à tireoide. A elevação da tireoglobulina (superior a 13) está associada à deficiência de iodo. Além disso, o mioinositol é recomendado na pré-concepção por sua capacidade de promover a maturação do folículo e melhorar a qualidade do oócito, além de contribuir para a formação do tubo neural. A dose usual varia de 500 a 4000 mg por dia, sendo aumentada para 2 a 4 g por dia em casos de síndrome dos ovários policísticos (SOP). Adicionalmente, o útero possui receptores para melatonina, podendo esta ser suplementada na dose de 210 mcg por dia . Em relação ao ácido alfa-lipóico , que melhora a maturação do oócito e o desenvolvimento embrionário, as doses variam de 300 a 800 mg por dia. Por fim, os probióticos são essenciais para manter uma microbiota vaginal saudável , já que a disbiose pode afetar a qualidade do espermatozoide e interferir na microbiota uterina, resultando em complicações como risco aumentado de aborto ou pré-eclâmpsia. Portanto, cuidar da saúde intestinal também é fundamental para a saúde reprodutiva. Suplementação na Gestação A gestação é um evento imunológico que demanda atenção aos níveis adequados de antioxidantes para garantir a nidação e o desenvolvimento fetal adequado. No primeiro trimestre, o foco principal deve ser na placentação, sendo os micronutrientes como o complexo B, selênio, zinco, cobre, magnésio, vitamina D e vitamina E de extrema importância nesse processo. Dessa forma, a seguir estão listadas as deficiências e as consequências associadas a cada um desses micronutrientes: Deficiência de complexo B -> Hiperhomocisteinemia -> disfunção celular endotelial Deficiência de Se, Zn, Cu e Mn - pode gerar estresse oxidativo placentário → riscos de PE e parto prematuro Deficiência de Mg -> prejudica o desenvolvimento placentário Deficiência de ferro > risco de aborto e não desenvolvimento do embrião Deficiência de lodo → risco de aborto e de doenças do neurodesenvolvimento Deficiência de vitamina D →> menor expressão de fatores anglogênicos Falando especificamente do folato, não é necessário suplementá-lo no primeiro trimestre, pois pode aumentar o risco de doenças congênitas cardíacas . No entanto, nos trimestres seguintes e no pós-parto, o folato é crucial para prevenir doenças crônicas não transmissíveis, melhorar o desenvolvimento cognitivo a longo prazo e reduzir o risco de transtornos do espectro autista (TEA). Além do folato, as outras vitaminas do complexo B auxiliam na atividade antioxidante da placenta, promovem a invasão trofoblástica, melhoram a angiogênese e contribuem para o desenvolvimento placentário . Portanto, a suplementação de vitaminas do complexo B deve ser mantida a partir do segundo e terceiro trimestres, bem como no pós-parto; as doses recomendadas são de 400 a 800 mcg por dia. Vitaminas e Minerais Em relação à vitamina A , que desempenha papel crucial na modulação do sistema imunológico e na regulação de genes inflamatórios na placenta, além de contribuir para a saúde ocular e cardiovascular do feto, é importante considerar que sua deficiência pode afetar o desenvolvimento do pâncreas e levar à Restrição do Crescimento Intrauterino (RCIU). As doses usuais variam de 1000 a 5000 UI/dia na forma de palmitato de retinol ou de 3 a 10 mg/dia na forma de betacaroteno. Por outro lado, o zinco é essencial para a divisão celular, síntese de proteínas, crescimento e metabolismo dos ácidos nucleicos . Além de desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento da placenta e do tubo neural, e na inibição da apoptose. A deficiência de zinco pode resultar em malformações congênitas, baixo peso ao nascer, RCIU e parto prematuro. Quanto ao selênio , que oferece diversos benefícios como a prevenção de abortos, parto prematuro, pré-eclâmpsia e autoimunidade da tireoide, é crucial avaliar os exames para evitar superdosagem. As doses usuais variam de 40 a 80 mcg/dia, podendo aumentar até 200 mcg/dia em casos de deficiência . Além disso, o silício é importante para a síntese de colágeno e massa óssea, reduzindo a queda de cabelo e aumentando seu brilho. A dose usual é de 100 a 300 mg/dia, na forma de silício orgânico. Em relação ao ferro , a demanda aumenta de 0,8 mg/dia no início da gravidez para 7,5 mg/dia no final , com uma necessidade média de 4,4 mg/dia ao longo de toda a gestação. Enquanto o primeiro trimestre apresenta menor necessidade de ferro, o terceiro trimestre é o período com maior demanda. Falando sobre o cálcio , é crucial avaliar a necessidade de suplementação no primeiro trimestre. A partir da 20ª semana, torna-se essencial para a formação óssea, com doses usuais variando de 200 a 500 mg/dia . A suplementação de magnésio também deve ser considerada, pois regula a entrada e saída de cálcio nas células. Quanto ao ômega-3 , é recomendado garantir 200 mg de DHA/dia no primeiro trimestre , através de 1 cápsula por dia. No segundo trimestre , a dose pode ser ajustada conforme necessidade, sem ultrapassar 2 g/dia , enquanto no terceiro trimestre a dose deve ser reduzida novamente para 1 cápsula por dia . Por fim, o ácido alfa lipóico (ALA) na gestação é importante por melhorar a reabsorção do hematoma subcoriônico, prevenir a embriopatia diabética e a ruptura prematura das membranas fetais induzida pela inflamação. Também mostrou eficácia na manutenção do comprimento do colo do útero e fechamento após episódio de trabalho de parto prematuro. Suplementação na Lactação É importante manter o polivitamínico durante a gestação, sendo necessário ajustar as doses conforme os exames do terceiro trimestre. No entanto, a dose de ômega-3 deve ser aumentada para três cápsulas ao dia . Por outro lado, para combater a queda de cabelo pós-parto, é recomendável uma alimentação adequada em proteínas e, se necessário, sua suplementação. Prática Clínica Na prática clínica, é fundamental adotar uma abordagem integrativa e personalizada para a suplementação nutricional pré-concepção. Dessa forma, a priorização da alimentação como base é essencial, já que os suplementos devem complementar uma dieta equilibrada. Assim, nutricionistas devem empregar um raciocínio clínico que considere sinais, sintomas e resultados de exames bioquímicos para determinar deficiências nutricionais, alergias alimentares e riscos gestacionais. Isso não apenas visa otimizar a saúde ovariana, qualidade dos gametas e receptividade endometrial, mas também assegura um desenvolvimento fetal saudável ao longo da gestação. Por fim, a integração dessas estratégias não só previne complicações futuras, como infertilidade e doenças metabólicas, mas também promove uma abordagem holística no tratamento da saúde reprodutiva feminina. Continue Estudando... Sugestão de Estudo: Importância da Amamentação Exclusiva nos Primeiros Seis Meses de Vida Sugestão de Estudo: O papel do nutricionista nos 1000 primeiros dias do bebê Sugestão de Estudo: Ácidos Graxos Ômega-3 na Saúde Materno-Infantil Referências Bibliográficas: MILMAN, Nils. Iron in Pregnancy – How Do We Secure an Appropriate Iron Status in the Mother and Child? Annals Of Nutrition And Metabolism , [S.L.], v. 59, n. 1, p. 50-54, 2011. S. Karger AG. CARMEL, Ralph. How I treat cobalamin (vitamin B12) deficiency. Blood , [S.L.], v. 112, n. 6, p. 2214-2221, 15 set. 2008. American Society of Hematology.