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Controle da Inflamação Crônica Como Suporte Estético

Brunno Falcão

7 min

1 de fev. de 2024

Nas últimas décadas, observa-se uma mudança no padrão de saúde da população em todo o mundo. O aumento das taxas de incidência de doenças associadas à inflamação crônica levou a um maior interesse científico em mostrar os resultados de vários estudos que identificaram mecanismos moleculares pelos quais os componentes da dieta, associados a outros pilares do estilo de vida moderno, podem interagir com as vias imunológicas, diretamente ou indiretamente, por meio da modulação da microbiota intestinal. Isso gera impacto no estado de inflamação e, consequentemente, no aumento do risco de doenças crônicas, incluindo aspectos relacionados à estética. Bases da Inflamação Crônica É bem estabelecido que o estado inflamatório induzido pela adiposidade é distinto do paradigma da inflamação clássica. Contudo, o sistema imunológico inato, inespecífico, trabalha reconhecendo padrões moleculares comuns entre os patógenos. A inflamação relacionada à obesidade, denominada "metainflamação", é considerada de baixa intensidade, com repercussões crônicas, iniciadas por um gatilho metabólico causado pelo excesso alimentar. Essa inflamação tem uma natureza diferente, originada de células distintas, os adipócitos. Essa descoberta foi feita pela identificação de elevados níveis de TNF-alfa em tecidos adiposos de ratos obesos em comparação com tecidos de ratos magros. A partir disso, foram realizados estudos sequenciais sobre as diferenças entre animais magros e obesos, incluindo humanos. O tecido adiposo é considerado um importante órgão secretor de peptídeos ativos com ação metabólica, como o TNF-alfa e interleucina-6 (IL-6). No entanto, o limiar exato de hipertrofia adiposa para induzir um processo inflamatório não está determinado. Sabe-se que, após ser iniciado por esse tecido, as citocinas liberadas promovem, entre outros efeitos, a infiltração de monócitos circulantes, que contribuem significativamente para o estado de metainflamação, e a produção hepática de proteína C reativa (PCR). Além disso, clinicamente, é necessário considerar o papel da microbiota intestinal na modulação de parâmetros inflamatórios. A presença de certas bactérias na mucosa intestinal está associada a moléculas inflamatórias que podem causar um estado inflamatório crônico em vários tecidos do corpo, incluindo a pele. Essa inflamação pode ser desencadeada por componentes estruturais da bactéria, desencadeando uma cascata de vias inflamatórias que produzem interleucinas e outras citocinas. Além disso, alguns subprodutos metabólicos bacterianos, como ácidos graxos de cadeia curta, podem inibir processos inflamatórios. Uma revisão da literatura forneceu uma visão geral da relação entre a microbiota intestinal e as moléculas inflamatórias, destacando que a composição da microbiota difere entre os indivíduos e depende de uma variedade de fatores como estilo de vida, genoma e genética, podendo alguns indivíduos possuir bactérias associadas a efeitos pró-inflamatórios, e vice-versa. A inflamação crônica pode ser associada com alterações estéticas? A forte associação entre resposta imunológica e resistência à insulina foi reconhecida com a identificação da resistência em estados infecciosos. Contudo, a metainflamação não se limita a um único tipo de tecido. No tecido adiposo, mediadores inflamatórios, especialmente o TNF-alfa, inibem a sinalização da insulina e a atividade dos receptores ativados por proliferador de peroxissomo gama (PPAR-gama), responsáveis pela expressão da adiponectina, uma adipocina com amplo papel anti-inflamatório e na sensibilidade à insulina. O fígado, importante no metabolismo de nutrientes, controla a glicogênese, gliconeogênese, lipogênese e síntese de colesterol. Embora não sofra infiltração de monócitos como o tecido adiposo na metainflamação, a expressão hepática de citocinas inflamatórias é superior em indivíduos obesos. Evidências indicam que o estresse psicológico pode ativar a resposta inflamatória, promovendo sintomas depressivos com aumento de citocinas como IL-6 e TNF-alfa. O ganho de peso associado ao estresse é influenciado pelo aumento do apetite por alimentos específicos, levando a comportamentos alimentares induzidos pelo estresse. Estratégias de estilo de vida que abordem inflamação, estresse e ganho de peso incluem atividade física, alimentação saudável, regulação do sono e controle do estresse, resultando em melhorias na saúde global e na estética corporal. Nutrição de Dentro para Fora: Isso existe? As doenças cutâneas inflamatórias têm uma etiologia complexa, envolvendo fatores genéticos e ambientais. Estudos científicos relacionam a nutrição a condições como psoríase, dermatite atópica, hidradenite supurativa, vitiligo, alopecia areata e doenças bolhosas, investigando se mudanças na dieta afetam seu curso clínico. Uma metanálise recente revelou que muitos pacientes com essas doenças acreditam que seus hábitos alimentares influenciam seus sintomas. Um padrão alimentar inadequado, combinado com um estilo de vida desregrado, aumenta o estresse oxidativo, a inflamação e desequilibra a homeostase, contribuindo para os sinais e sintomas dessas doenças e afetando sua aparência progressivamente. Estudos anteriores destacaram o potencial da dieta no risco de exacerbação das doenças cutâneas, mencionando alimentos processados e aditivos como possíveis desencadeadores, além de baixos níveis de nutrientes associados à inflamação, como vitamina D, vitamina E, zinco e polifenóis com propriedades anti-inflamatórias. Alimentação vs.  Celulite Uma das queixas mais comuns em consultório, de pacientes no processo de emagrecimento, é quanto à redução da famosa celulite, tecnicamente chamada de lipodistrofia ginóide, condição popularmente chamada também de pele com aspecto de casca de laranja. A lipodistrofia ginóide é uma desordem estrutural, inflamatória e bioquímica do tecido subcutâneo que provoca alterações na topografia da pele. Atinge até 90% das mulheres, praticamente em todas as fases do ciclo, iniciando-se na puberdade. É uma condição clínica que afeta consideravelmente a qualidade de vida dos pacientes, principalmente por conta da preocupação estética. Contudo, a celulite é uma condição de caráter inflamatório que requer condutas específicas que vão além da estética. Para tanto, destacam-se no atendimento nutricional as estratégias de emagrecimento que focam na redução dessa inflamação, uma vez que o excesso de tecido adiposo e as citocinas inflamatórias produzidas por ele são os fatores que induzem a formação das ondulações na pele características da celulite. A dieta anti-inflamatória deve ser composta por muitas especiarias naturais, ervas e plantas aromáticas, azeite de oliva, vegetais folhosos, peixes magros e frutas vermelhas e cítricas, que fornecem os substratos necessários para combater o processo inflamatório decorrente do tecido adiposo, reduzindo assim o desequilíbrio na pele que leva a essa distrofia. Outro fator importante é a escolha de alimentos ou compostos que modulam a produção de colágeno na pele, importante para diminuir a aparência da celulite. A associação In&OUT, nesse contexto, se faz um ponto necessário para potencializar o tratamento estético na modulação da celulite. Um estudo (Jampa et al., 2022) investigou o potencial cosmecêutico e a composição química de um extrato etanólico da folha de mandioca (BM), rico em rutina, apigenina e kaempferol. As múltiplas bioatividades benéficas do BM para aplicações cosmecêuticas foram manifestadas de maneira dose-dependente, incluindo antioxidação em células de melanoma B16, aumento da síntese de colágeno em fibroblastos e redução da formação de gordura em adipócitos 3T3-L1. Além disso, o potencial de aumento da síntese de colágeno do BM e rutina foi significativo quando comparado ao ácido ascórbico. A folha de mandioca mostrou ser um potencial agente cosmecêutico natural com bioatividades relacionadas à modulação da síntese de colágeno e redução da inflamação. Ela pode ser, ainda, consumida em forma de alimento, potencializando os efeitos estéticos. Alimentação vs.  Acne Em todo esse contexto relacionado à inflamação e às doenças e condições crônicas que afetam a estética, outra desordem que podemos citar é a acne, que apresenta alta relação com a alimentação. Um dos fatores a serem modulados no tratamento nutricional da acne, que se associa com a nutrição de precisão, é a modulação gênica e sistêmica relacionada à carga glicêmica e ao índice glicêmico da dieta. Uma alimentação baseada em produtos com alto índice glicêmico leva à hiperinsulinemia, uma vez que níveis elevados de insulina estimulam a secreção de andrógenos e causam aumento da produção de sebo, responsável pela patogênese da acne vulgar. A hiperinsulinemia aumenta, portanto, o nível circulante de IGF-1 e IGFBP-3, capazes de afetar diretamente a proliferação de queratinócitos e a apoptose celular. Identificando Mecanismos Moleculares na Nutrição de Precisão Um grande desafio na identificação de potenciais intervenções nutricionais em condições estéticas e clínicas é a elucidação dos mecanismos moleculares que demonstram como a nutrição e os compostos dietéticos específicos influenciam as vias imunológicas. A metagenômica e a metabolômica foram aplicadas para descrever associações quantitativas de dados nutricionais pessoais com metabolismo, inflamação e microbioma na saúde e na doença, mas ainda sem identificar com assertividade os mecanismos moleculares. Mais estudos devem ser realizados na área para levantar resultados robustos. A nutrição de precisão, ou nutrição preditiva, utiliza informações sobre as características individuais, incluindo marcadores ômicos, para tornar as recomendações mais personalizadas e tratar doenças e condições estéticas de forma assertiva e objetiva. Para que um nutricionista adote essa abordagem de precisão, é essencial avaliar os biomarcadores adequados. A metabolômica é um campo biológico emergente capaz de identificar e medir, simultaneamente, um grande número de pequenas moléculas chamadas metabólitos em matrizes biológicas. É considerada o método mais preciso para detectar desequilíbrios metabólicos e é útil para a prevenção e detecção precoce de doenças e desordens patológicas. A metabolômica apresenta amplas aplicações na prática clínica, fornecendo informações sobre a função normal do metabolismo, ingestão alimentar, microbiota, metabolismo de tóxicos e adequação de nutrientes e bioativos. Para exemplificar esse tipo de abordagem, um estudo mostrou que um grupo de pacientes autoimunes apresentava um perfil metabólico baseado em ácidos graxos e fatores de estilo de vida, incluindo atividade física e consumo de álcool, como marcadores preditivos essenciais na avaliação de doenças autoimunes. Todo esse estudo é feito de forma individualizada, proporcionando caminhos para traçar condutas cada vez mais assertivas na prevenção e no tratamento de doenças crônicas, redução da inflamação e modulação de parâmetros estéticos. Prática Clínica Nos últimos anos, a compreensão dos mecanismos moleculares subjacentes à interação entre a dieta, o estilo de vida e as condições estéticas e clínicas tem despertado interesse na prática clínica nutricional. A inflamação crônica, especialmente relacionada à obesidade, está ligada a diversos problemas de saúde, incluindo condições cutâneas inflamatórias como acne e celulite. Estratégias nutricionais direcionadas, como uma dieta anti-inflamatória e a modulação da carga glicêmica, podem ajudar a reduzir a inflamação e melhorar a saúde estética. Além disso, a nutrição de precisão, utilizando marcadores ômicos e metabolômica, oferece uma abordagem personalizada e eficaz na prática clínica, permitindo intervenções mais direcionadas para melhorar a saúde global e a estética dos pacientes. Continue estudando... Sugestão de Estudo: Abordagens para Saúde da Pele e Estética Sugestão de Estudo: Composição Corporal Segundo a Plástica e Estética Referências Bibliográficas Margină D, Ungurianu A, Purdel C, Tsoukalas D, Sarandi E, Thanasoula M, Tekos F, Mesnage R, Kouretas D, Tsatsakis A. Chronic Inflammation in the Context of Everyday Life: Dietary Changes as Mitigating Factors.  Int J Environ Res Public Health. 2020 Jun 10;17(11):4135. doi: 10.3390/ijerph17114135. PMID: 32531935; PMCID: PMC7312944. Liu X, Yang G, Luo M, Lan Q, Shi X, Deng H, Wang N, Xu X, Zhang C. Serum vitamin E levels and chronic inflammatory skin diseases: A systematic review and meta-analysis . PLoS One. 2021 Dec 14;16(12):e0261259. doi: 10.1371/journal.pone.0261259. PMID: 34905558; PMCID: PMC8670689. Demetrowitsch TJ, Schlicht K, Knappe C, Zimmermann J, Jensen-Kroll J, Pisarevskaja A, Brix F, Brandes J, Geisler C, Marinos G, Sommer F, Schulte DM, Kaleta C, Andersen V, Laudes M, Schwarz K, Waschina S. Precision Nutrition in Chronic Inflammation . Front Immunol. 2020 Nov 23;11:587895. doi: 10.3389/fimmu.2020.587895. PMID: 33329569; PMCID: PMC7719806.