COVID-19 e Sistema Imune em Jovens
Brunno Falcão
6 min
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10 de dez. de 2023
Ainda que a COVID-19 se manifeste principalmente como uma doença respiratória, muitos estudos mostraram que esta é uma infecção sistêmica envolvendo múltiplos sistemas e afetando indivíduos de todas as idades. Com isso, dados preliminares de um estudo feito na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sugerem que a infecção pelo SARS-CoV-2 pode comprometer o sistema imune de jovens saudáveis, com quadros leves ou moderados de COVID-19. Melhor explicando, resultados dessas pesquisas mostram que mesmo em jovens adultos, logo após COVID-19 leve ou moderada, a modulação autonômica mostrou-se prejudicada. Isso posto, dados mostram que essas interrupções na regulação autonômica por um patógeno viral estão associadas a uma resposta imune de tempestade de citocinas, que resulta em estresse oxidativo levando a danos celulares. Diante disso, os casos de COVID-19 entre jovens adultos são motivo de preocupação em todo o mundo, pois essa população pode representar 70% dos infectados globalmente. Além disso, por muito tempo esse público foi negligenciado, como cita o pesquisador Fábio Santos de Lira, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT-Unesp), “Nosso projeto busca saber os efeitos da COVID-19 na população jovem e saudável, que foi totalmente negligenciada no início da pandemia. Esses indivíduos foram para o hospital, tiveram o diagnóstico, mas, como tinham sintomas leves ou moderados, não foram assistidos. Então, voltaram para casa e fizeram o isolamento sem nenhum acompanhamento […]”. Sendo esse negligenciamento possivelmente devido ao fato de que os jovens adultos correm o menor risco de resultados negativos graves. Table of Contents Toggle COVID-19 , Sistema Nervoso e Sistema Imune COVID-19, Função Autonômica e IMC Atividade física e Resposta Imune Melhora da Função Autonômica Prática Clínica Referências Bibliográficas COVID-19 , Sistema Nervoso e Sistema Imune Hoje, está bem estabelecido na literatura que o sistema nervoso autônomo (SNA) desempenha um papel importante na homeostase do organismo, influenciando as funções corporais sistêmicas. Dessa forma, as disfunções encontradas no SNA podem resultar em efeitos prejudiciais de processos fisiológicos associados a processos respiratórios, vasculares, imunológicos, hematológicos e renais. Destaca-se que o sistema nervoso autônomo é dividido em duas partes: o sistema simpático (SNS) e o parassimpático (SNP). O sistema simpático é responsável pelas alterações no organismo em situações de alerta, preparando o organismo para enfrentar ou fugir de uma ameaça, assim envolve um maior gasto de energia. Logo, essa parte do sistema nervoso é incumbida de aumentar a frequência cardíaca e a pressão arterial, liberar adrenalina, contrair e relaxar músculos, dilatar os brônquios, dilatar as pupilas, aumentar a transpiração. Por outro lado, o sistema nervoso parassimpático normaliza o funcionamento dos órgãos internos depois da situação de alerta. Diante disso, achados de estudos mostram que mesmo em infecção leve e moderada, jovens adultos com COVID-19 apresentaram maior atividade simpática e uma diminuição da atividade parassimpática. Sendo que esse desequilíbrio no sistema nervoso autônomo pode ser resultado dos níveis inflamatórios mais altos e marcadores de estresse oxidativo durante a infecção por COVID-19. Portanto, acredita-se que o estresse oxidativo e a subsequente liberação de citocinas inflamatórias que acompanham a infecção por SARS-CoV-2 poderiam explicar as alterações no SNA. Por outro lado, fatores que envolvem as mudanças comportamentais durante e após a infecção, como mudanças na atividade física, estado nutricional e consumo de alimentos e líquidos, também podem explicar as alterações do SNA. Além disso, o desequilíbrio autonômico pode persistir após a infecção aguda por SARS-CoV-2, o qual pode estar relacionado a um quadro inflamatório sistêmico persistente observado na fase pós-viral. Sendo este desequilíbrio comumente acompanhado por várias outras condições do pós-COVID-19, incluindo síndrome de taquicardia ortostática postural, disautonomia, fadiga, síndrome de hipoperfusão cerebral e função endotelial prejudicada, os quais estão associados a esta condição independentemente da hospitalização. COVID-19, Função Autonômica e IMC Vale destacar que além da infecção aguda por SARS-CoV-2, outros fatores podem afetar diretamente a função autonômica, dentre pode-se citar a obesidade. Resultados de pesquisas mostram que os pacientes com sobrepeso ou obesidade no grupo pós-COVID-19 apresentaram atividade parassimpática significativamente menor em comparação com indivíduos eutróficos no grupo controle. Sendo este um possível resultado da inflamação crônica de baixo grau, característica da obesidade, em combinação com a resposta de tempestade de citocinas da infecção por COVID-19, perfil que pode pode promover e até piorar a desregulação autonômica nesses pacientes. Além disso, a literatura mostra que a obesidade está associada a um prognóstico ruim para infecção por SARS-CoV-2, hospitalização em terapia intensiva e progressão da doença. Sendo que, a cada aumento de 1 unidade no índice de massa corporal (IMC) tem-se um aumento de 12% no risco de COVID-19 grave. COVID-19 e Atividade Física Os níveis de atividade física podem influenciar diretamente a modulação autonômica, bem como pode estar associado à redução do risco e gravidade dos sintomas de COVID-19. Ao mesmo tempo que está relacionada a melhorias na imunidade e aptidão cardiorrespiratória, bem como pode ajudar a prevenir e tratar obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, doenças hepáticas, câncer e outras doenças crônicas, reduzindo indiretamente a ameaça do COVID-19. Diante disso, em participantes fisicamente ativos os níveis de modulação autonômica cardíaca foram melhores quando comparados aos de seus pares inativos, mesmo em participantes que tiveram COVID-19. Isso pode ser explicado pelo fato de que o exercício físico regular pode promover mudanças funcionais e estruturais nos mecanismos centrais e periféricos do sistema cardiovascular para garantir a adequada perfusão sanguínea e resposta cardíaca de acordo com as demandas metabólicas. Além de que, a atividade física auxilia na modulação do SNA. Pois o estresse periférico induzido pela contração do músculo esquelético ou estresse mecânico nos órgãos envia sinais aferentes ao sistema nervoso central, induzindo assim a liberação de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina) para alterar a função do SNA para atender às demandas metabólicas do exercício. A liberação de epinefrina e norepinefrina aumenta a atividade do SNS, consequentemente promovendo a atividade do SNP durante a recuperação do exercício. Atividade física e Resposta Imune A atividade física é importante na modulação das respostas imunes. Seus níveis aumentados estão associados a melhores respostas de citocinas, reduzindo assim a gravidade da doença de COVID-19. Ela ainda ajuda a modular a liberação de fatores anti-inflamatórios, os quais podem auxiliar na resposta imune à infecção por SARS-CoV-2 por meio do aumento da capacidade antioxidante e aumento da estimulação da via celular T-Helper 2. Exemplificando, a atividade física aumenta o nível de estresse oxidativo no músculo esquelético como produto de processos metabólicos. Assim, tem-se um mecanismo de feedback que aumenta os níveis de antioxidantes – como uma defesa para a presença de espécies reativas de nitrogênio e espécies reativas de oxigênio, as quais também estão na estimulação imune inadequada. Ainda, quando analisadas as células de defesa, entre elas os monócitos e linfócitos T, pesquisadores observaram que os indivíduos infectados por SARS-CoV-2 apresentavam um perfil anti-inflamatório reduzido das células T reguladoras. Enquanto a proteína PD1 – que tem a função de impedir que as células T ataquem outras células do corpo – estava aumentada tanto nos linfócitos TCD4 quanto TCD8. Assim, resultados mostram que quanto maior o nível de atividade física maior era a proteção contra as alterações na célula T CD8, mas não na CD4. Melhora da Função Autonômica Recapitulando, a infecção leve a moderada por SARS-CoV-2 promove alterações no SNA de jovens adultos e podem persistir após a fase aguda da doença. Com isso, quando observado os efeitos da COVID-19 leve ou moderado no SNA em jovens adultos, antes e no mínimo seis semanas após a imunização completa contra SARS-CoV-2, teve como resultado a melhora da função autonômica após aproximadamente cinco meses de acompanhamento. Sendo essa mudança caracterizada pelas reduções significativas nos índices do SNS e aumentos significativos nos índices PNS. Prática Clínica Como os dados apresentados mostram que a COVID-19 pode comprometer o sistema imune de jovens com quadro leve, a atividade física pode ser utilizada como um fator protetor para a mesma. Logo, a Organização Mundial da Saúde recomenda que os adultos participem de 150 min de atividade física moderada por semana ou 75 min de atividade física vigorosa para observar os benefícios fisiológicos que podem proteger contra os resultados do COVID-19 e reduzir o risco de muitas doenças. Referências Bibliográficas Sugestão de leitura: Qual o papel da alimentação na COVID-19? Assista o vídeo na Science Play Karina Al Assal: Microbiota pós-covid Artigo Função autonômica : Freire APCF, Lira FS, Morano AEvA, Pereira T, Coelho-E-Silva M-J, Caseiro A, Christofaro DGD, Marchioto Júnior O, Dorneles GP, Minuzzi LG, Pinho RA, Silva BSdA. Role of Body Mass and Physical Activity in Autonomic Function Modulation on Post-COVID-19 Condition: An Observational Subanalysis of Fit-COVID Study. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2022; 19(4):2457. https://doi.org/10.3390/ijerph19042457 Artigo Atividade física : Freire APCF, Amin S, Lira FS, Morano AEvA, Pereira T, Coelho-E-Silva M-J, Caseiro A, Christofaro DGD, Dos Santos VR, Júnior OM, Pinho RA, Silva BSdA. Autonomic Function Recovery and Physical Activity Levels in Post-COVID-19 Young Adults after Immunization: An Observational Follow-Up Case-Control Study. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2023; 20(3):2251. https://doi.org/10.3390/ijerph20032251 Artigo FAPESP : Maria Fernanda Ziegler. COVID-19 pode levar sistema imune à exaustão mesmo em jovens com quadro leve ou moderado. AGÊNCIA FAPESP. Published March 20, 2023. Accessed March 20, 2023. https://agencia.fapesp.br/covid-19-pode-levar-sistema-imune-a-exaustao-mesmo-em-jovens-com-quadro-leve-ou-moderado/40924/ Classifique esse post #covid19