O papel do nutricionista nos 1000 primeiros dias do bebê
Kcal da Science Play
4 min
•
15 de mai. de 2024
Os 1000 primeiros dias de um bebê são cruciais para o desenvolvimento ao longo da vida? Esse fato justifica-se pois o respectivo período compreende a gravidez (270 dias), o primeiro ano (365 dias) e o segundo ano (365 dias) da criança. Esse momento está diretamente associado à formação e ao desenvolvimento de sua função neurológica, cognitiva, motora e imunológica, além de representar um período de adoção de hábitos e atitudes que influenciarão toda a vida do indivíduo. Portanto, o acompanhamento nutricional adequado nessa fase da vida está diretamente associado à saúde na vida adulta , visto que uma má nutrição na primeira infância está associada a um pior desenvolvimento, ao atraso no crescimento e a maior prevalência de doenças crônicas na fase adulta. Epigenética e Nutrição O termo epigenética significa “além da genética”, ou seja, existem diversos fatores que contribuem para o desenvolvimento e crescimento dos indivíduos além da herança biológica que os pais passam para seus filhos. A dieta materna durante a gestação e a alimentação complementar da criança, são alguns desses mecanismos epigenéticos. A epigenética estuda o que acontece com os genes ao longo da vida. Isso significa que nossos marcadores genéticos mudam ao longo do tempo de acordo com os hábitos que temos. Contudo, saiba que isso não tem relação com uma “alteração do DNA”, porque o epigenoma não muda o DNA, apenas "decide" quando e como os genes são expressados nas diferentes células do corpo. Dessa forma, é fácil compreender que informações epigenéticas não são permanentes. Apesar de serem hereditárias, elas podem mudar durante a vida decorrente do ambiente onde o indivíduo está inserido, comida, estresse, fumo. Ademais, o período de desenvolvimento infantil é particularmente mais sensível a essas alterações, por isso, deve-se orientar corretamente o que deve ser feito durante os 1000 primeiros dias do bebê. Gestação A dieta materna durante a gestação é crucial para o desenvolvimento adequado da criança. Como mencionado anteriormente, alterações epigenéticas induzidas por exposições adversas podem ser prejudiciais. Portanto, recomenda-se que, durante o período gestacional, não haja o consumo de qualquer droga lícita ou ilícita (principalmente álcool e tabaco) e edulcorantes em geral. Nessa fase, quando ocorre o neurodesenvolvimento, é necessário atentar para a quantidade e qualidade dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios) consumidos, pois sua deficiência está associada a crianças com menor QI e menor sucesso escolar. Assim, orientar práticas alimentares saudáveis para a gestante e garantir a suplementação adequada de micronutrientes são práticas nutricionais essenciais para assegurar a fisiologia correta e o bom desenvolvimento do feto. Isso é feito através do fornecimento de nutrientes adequados, suprindo todas as necessidades nutricionais tanto da mãe quanto do bebê. O objetivo nutricional nesta fase é garantir uma gestação normal, evitar malformações no bebê e complicações no parto, além de assegurar que o bebê nasça com peso adequado. Aleitamento materno O aleitamento materno constitui a primeira prática alimentar dos indivíduos e está diretamente relacionado à sua saúde ao longo da vida . Recomenda-se que essa prática seja exclusiva até os seis meses de idade do bebê. Um grande número de compostos bioativos presentes no leite materno pode induzir alterações na metilação do DNA. Sem a exposição a esses fatores, bebês alimentados com fórmulas infantis podem apresentar diferenças na regulação de processos epigenéticos (transcrição de genes e/ou síntese proteica), o que pode contribuir para um perfil de saúde inferior a longo prazo. Além disso, o leite materno influencia a composição da microbiota intestinal na infância, uma vez que seus compostos criam um ambiente mais anaeróbio, favorecendo o crescimento de bactérias benéficas . O leite materno também possui um papel imunológico, mediando a relação entre a alimentação complementar e o risco de desenvolvimento de doenças crônicas na adolescência e na vida adulta. É importante ressaltar que a alimentação da mãe deve ser adequada durante o período de amamentação, pois os nutrientes e compostos consumidos pela mãe são transmitidos ao bebê através do leite. Introdução Alimentar e Alimentação Complementar Após os seis meses de aleitamento materno exclusivo, inicia-se a fase de introdução de alimentos sólidos, conhecida como alimentação complementar, que se estende até os 24 meses de idade. Este processo é essencial para garantir o desenvolvimento adequado e a saúde infantil a longo prazo. Orientações nutricionais adequadas durante esta fase são fundamentais para estabelecer uma base sólida para os hábitos alimentares futuros e prevenir deficiências nutricionais e doenças crônicas. A alimentação complementar deve ser introduzida de forma gradual e adaptada às necessidades nutricionais e capacidades de desenvolvimento da criança. Os alimentos oferecidos devem ser variados, incluindo fontes de carboidratos, proteínas e lipídios de alta qualidade, bem como micronutrientes essenciais como ferro, zinco, vitamina A e vitamina D. A introdução correta e oportuna desses nutrientes são cruciais para suportar o rápido crescimento e desenvolvimento cognitivo e físico da criança. Durante esta fase, a formação dos hábitos alimentares é particularmente influente. Uma dieta balanceada e nutritiva não apenas promove um crescimento saudável, mas também protege contra deficiências de micronutrientes e o consumo excessivo de macronutrientes, fatores que estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares na vida adulta. Além disso, é importante que a alimentação complementar seja feita em um ambiente que promova a interação e o aprendizado, incentivando a aceitação de novos alimentos e texturas. A participação ativa dos cuidadores no processo de alimentação é essencial para modelar comportamentos alimentares positivos e estabelecer uma relação saudável com a comida. Assim, a implementação de práticas nutricionais científicas e bem fundamentadas durante os primeiros 1000 dias de vida é crucial para assegurar um desenvolvimento infantil pleno e prevenir futuras complicações de saúde. Prática Clínica Para os 1000 primeiros dias do desenvolvimento de um bebê, é necessário dar devida atenção às práticas e condutas nutricionais aplicadas neste momento, tanto pela mãe, quanto pelo bebê. Compreender que a dieta materna durante a gestação e a alimentação complementar da criança são mecanismos epigenéticos responsáveis pelo desenvolvimento pleno, é um conhecimento de grande importância para prestar a devida atenção nutricional a esse público. Referências: Science Play: Microbiota C.L.U.B. 2020 com Marise Tofoli - A importância da formação da microbiota (1000 dias) e seus desdobramentos na vida adulta. Artigo: Verduci, E et al. “Nutrition in the first 1000 days and respiratory health: A descriptive review of the last five years' literature.” Allergologia et immunopathologia vol. 45, n.4 , p. 405-413, 2017. doi:10.1016/j.aller.2017.01.003 Schwarzenberg, Sarah Jane et al. “Advocacy for Improving Nutrition in the First 1000 Days to Support Childhood Development and Adult Health.” Pediatrics vol. 141, n.2 , 2018. doi: 10.1542/peds.2017-3716